
Existem experiências de parto traumático em Portugal?
Em Portugal não temos dados oficiais recolhidos pelo SNS que nos informem acerca da opinião das mulheres sobre a qualidade das suas experiências e cuidados durante a gravidez, parto e pós-parto. Por outras palavras: desconhecemos quantas mulheres reportariam os seus partos como experiências negativas ou traumáticas.
Considerando números internacionais de resultados de meta-análises, sabemos que cerca de 12.3% das mulheres reporta sintomas de stress pós-traumático no seguimento do seu parto e 4.7% cumpre mesmo com os critérios de diagnóstico de PTSD.
Traduzindo para a realidade portuguesa, e pensando que no ano de 2024 nasceram cerca de 85000 crianças em Portugal, podemos estimar que, só nesse ano, mais de 10.000 mulheres ficaram com sintomas de stress pós-traumático.
Sintomas de Stress Pós-Traumático
- Sensação de grande desgaste por vigilância constante em relação ao bebé, ao seu corpo ou a outros elementos do ambiente/contexto.
- Ser-se assaltado por pensamentos, memórias, flashbacks ou pesadelos sobre o parto.
- Evitamento de pessoas, situações ou lugares que lembrem o parto (e.g. não conversar sobre o parto, não seguir páginas nas redes sociais associadas ao tema, evitar consultas de saúde ou, em casos mais delicados, evitar o próprio bebé).
- Crenças negativas e exageradas sobre si, os outros e o mundo; ou sobre as causas do trauma, normalmente com grande sentimento de culpa.
- Alterações no humor e reatividade emocional (acessos de raiva, zanga, vergonha)
- Dificuldade em sentir e expressar emoções, incluindo na relação com o bebé ou esperança na vida e no futuro.
Qual é o impacto das experiências negativas de parto?
A investigação científica tem sido consistente em comprovar que experiências negativas de parto afetam de forma negativa a saúde mental e o bem-estar das mulheres, tanto no puerpério como a longo-prazo. Teres vivido uma experiência negativa de parto aumenta o risco de:
-
- Desenvolver Depressão Pós-Parto
- Desenvolver Ansiedade Patológica no Pós-Parto
- Desenvolver Perturbação de Stress Pós-Traumático
- Sentir medo de futuras gravidezes e/ou de um futuro parto
- Agendar uma cesariana numa futura gravidez
- Sentir dificuldades de ligação ao bebé
Algumas das mulheres que viveram um parto traumático não terão mais filhos. Quer porque chegaram voluntariamente ao final do seu projeto familiar, quer porque esta experiência foi demasiado severa para considerar o risco de viver uma experiência semelhante no futuro.
Outras irão engravidar novamente e passar por um novo parto. Será que as suas necessidades emocionais serão as mesmas que as de uma grávida de primeira viagem, sem histórico de eventos adversos? Claro que não.
Como podem as mulheres viver experiências empoderadas de gravidez após um parto traumático?
Da nossa prática clínica na The Lovable You, é muito claro que passam a existir necessidades emocionais muito específicas na vida destas mulheres e a investigação científica diz-nos que existem 4 pilares fundamentais para uma experiência positiva para a nova gravidez:
Escolha e Controlo
Isto pode significar escolher cuidadosamente uma nova equipa de profissionais de apoio ao parto, mudar de instituição de saúde, ter um (novo) plano de parto, optar por modelos de cuidado continuado, pelo agendamento de uma cesariana eletiva ou até optar por um parto domiciliar.
Apoio, Confiança e Informação
Deixa de haver uma busca por informação genérica sobre gravidez e parto e passa a haver um foco em informação muito específica e baseada nos pontos de tensão da experiência anterior.
Por exemplo, se na primeira experiência, houve uma complicação de saúde por pré-eclâmpsia que impossibilitou o parto pretendido e gerou uma situação de urgência, é compreensível que a pessoa agora esteja focada em entender o porquê de a tensão arterial se elevar, entender o seu histórico familiar e pessoal, ser capaz de identificar sintomas ligeiros e fazer auto-monitorização adequada; e, vai conhecer a fundo todas as implicações que a pré-eclâmpsia pode ter no seu corpo grávido, no seu bebé e no seu parto.
De igual forma, a pessoa passa a escolher e a creditar os profissionais de saúde com base na sua capacidade de entrega e gestão desta informação personalizada, ao mesmo tempo que a pessoa passa por um processo psicológico importante de restauração de confiança nos profissionais de saúde.
Reconhecimento e Compreensão
A sensibilidade dos profissionais e da rede de apoio passa a ser uma prioridade, a psicoterapia ganha muita relevância e assiste-se a uma procura por serviços de apoio emocional, como os serviços de doula.
Profissionais com sensibilidade para escutar e validar a sua experiência anterior, com formação específica sobre trauma, tornam-se, assim, fontes imprescindíveis de apoio e cuidado.
Procura de uma experiência redentora
Há um grande sentido de restauração de justiça e de restauração da integridade física e emocional por via da nova experiência de parto. É muito comum que as mulheres foquem os seus esforços emocionais, logísticos e financeiros numa procura ativa por “uma experiência melhor” e quando conseguem a sua nova experiência de parto positiva (seja por via vaginal ou cesariana) reportam sentimentos de bem-estar e empoderamento – e até orgulho – por se terem sentido capazes de lidar com o desafio do parto.
Mensagem Final
Independentemente do que possa ter acontecido no teu primeiro parto, sabe que é realmente exigente e corajoso embarcar numa nova viagem de gravidez seguinte, onde não podemos ter a certeza do desfecho nem dos percalços do caminho.
É expectável que sintas tensão ao longo dessa nova gravidez e que a intensidade aumente à medida que um novo parto se aproxima, mas lembra-te que não tens de viver tudo isso sozinha e em grande esforço.
Existem profissionais capazes de te apoiar enquanto integras tudo o que estás a viver e tomas as tuas decisões empoderadas. Nós estamos aqui, se precisares desse apoio terapêutico.
Referências:
Greenfield, M., Jomeen, J., & Glover, L. (2019). “It Can’t Be Like Last Time” – Choices Made in Early Pregnancy by Women Who Have Previously Experienced a Traumatic Birth. Frontiers in Psychology, 10, https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.00056
Heyne, C.S., et al. (2022). Prevalence and risk factors of birth-related posttraumatic stress among parents: A comparative systematic review and meta-analysis. Clinical Psychological Review, 94, doi: 10.1016/j.cpr.2022.102157
Pidd, D. et al., (2023) Optimising maternity care for a subsequent pregnancy after a psychologically traumatic birth: A scoping review. Women and Birth, 36(5), 471-480, doi.org/10.1016/j.wombi.2023.03.006