Nas celebrações do mês do orgulho LGBTQIA+, é necessário olhar para aquilo que, muitas vezes, permanece silencioso: o impacto do stress das minorias nas vidas e famílias LGBTQIA+. Sobretudo, nos momentos mais íntimos e vulneráveis, como a gestação, o parto e o puerpério.

Stress das minorias: uma dor estrutural
O conceito de stress das minorias, desenvolvido por Ilan Meyer, descreve os efeitos psicológicos e fisiológicos do estigma associado à orientação sexual e à identidade de género, bem como da exclusão social vivida por grupos historicamente marginalizados. Para pessoas LGBTQIA+, esse stress — crónico e cumulativo — manifesta-se de várias formas: medo de rejeição, hipervigilância, auto-censura, ansiedade, depressão e, muitas vezes, a interiorização de sentimentos de vergonha.
Este sofrimento não tem origem apenas na vivência individual, mas está profundamente enraizado em estruturas sociais mais amplas. O estigma, neste contexto, refere-se a processos sociais e institucionais que desvalorizam pessoas LGBTQIA+, limitando o seu acesso ao poder, ao reconhecimento e a oportunidades concretas — inclusive nos espaços de cuidado e saúde.
Orgulho vs. Vergonha: afetos que moldam experiências
Se nunca teve de justificar quem ama, ou esconder a sua expressão de género por medo de ser agredido, rejeitado ou ridicularizado, talvez se questione: “por quê tanto orgulho?”. A resposta é simples: porque ser LGBTQIA+ continua, ainda hoje, a ser motivo de violência, exclusão e morte.
E quando se deseja formar uma família, o peso do julgamento social torna-se ainda mais intenso. O “Pride” (orgulho), então, torna-se resposta. Uma forma de afirmar: eu existo, amo, cuido e mereço ser cuidado. É a reconquista da narrativa sobre a própria identidade.
Barreiras perinatais: exclusões que adoecem
A maioria dos estudos, práticas e discursos perinatais continuam centrados numa experiência específica: a de mulheres cisgénero, heterossexuais, em contextos familiares tradicionais. O resultado? A exclusão — por vezes subtil, outras vezes explícita — das vivências LGBTQIA+, que continuam invisíveis na investigação, nos serviços de saúde e, até, nos espaços terapêuticos. Essas exclusões manifestam-se de diversas formas:
- Protocolos que presumem corpos cisgénero e linguagem binária, tornando invisíveis pessoas trans, não-binárias e as suas experiências gestacionais;
- Profissionais despreparados para lidar com a diversidade, o que gera constrangimentos, violência simbólica ou abandono do cuidado;
- Utilização de nomes legais em vez de nomes sociais;
- Suposições erradas sobre genitália, identidade ou função parental com base na aparência;
- Ambientes que não acolhem: casas de banho exclusivas para mulheres cis, materiais educativos com linguagem excludente e expressões faciais ou verbais que revelam descrença, julgamento ou despreparo.
Essas situações concretizam-se em experiências como:
- Uma mulher lésbica que tem de explicar, em cada consulta, que a sua parceira é co-mãe do bebé;
- Um homem trans grávido, que enfrenta linguagem violenta na sala de partos e é tratado com pronomes errados;
- Casais de homens que recorrem à gestação de substituição e encontram sistemas que não os reconhecem como pais legítimos.
Estas experiências minam a qualidade dos cuidados e agravam o sofrimento. Evitar serviços de saúde por medo de discriminação torna-se, muitas vezes, uma estratégia de auto-preservação — ainda que com custos para a própria saúde.
O impacto psíquico invisibilizado
As barreiras enfrentadas na perinatalidade LGBTQIA+ intensificam o stress das minorias e têm impacto direto na saúde mental da pessoa que gesta, no vínculo com o bebé, no apoio da rede de suporte, e no sentimento de pertença à experiência parental.
Estudos demonstram associações entre experiências de estigmatização e sofrimento psíquico durante a gestação em homens trans, bem como maiores índices de depressão pós-parto. Também, maior prevalência de perda gestacional em pessoas LGBTQIA+ — especialmente quando os cuidados são atravessados pela negação ou negligência.
Saúde perinatal: caminhos possíveis para um cuidado afirmativo
Face a tudo isto, é fundamental que toda a rede de atenção perinatal — da recepção ao consultório, do pré-natal ao puerpério — reconheça o seu papel ativo na promoção de cuidados mais equitativos e inclusivos. Não se trata apenas de “acolher” casos excepcionais, mas de transformar práticas, rever saberes e construir espaços onde pessoas LGBTQIA+ possam viver a parentalidade com dignidade e segurança.
Algumas direções importantes para os serviços e profissionais de saúde perinatal incluem:
- Reconhecer que o sofrimento psíquico e social da população LGBTQIA+ no período perinatal não é individual, mas resultado de estruturas excludentes;
- Criar escutas sensíveis e qualificadas, onde todas as histórias, corpos, identidades e configurações familiares possam existir sem medo ou vergonha;
- Investir em formação contínua e transversal, com foco na equidade de género, diversidade sexual e direitos reprodutivos;
- Adoptar linguagem afirmativa e “dessensibilizada de género” em atendimentos, formulários, registos clínicos e materiais educativos;
- Implementar protocolos específicos para a atenção à população LGBTQIA+, com base em evidência, respeito e compromisso ético;
- Articular cuidados interdisciplinares, considerando não apenas os aspectos biomédicos, mas também os sociais, emocionais e culturais das diversas experiências perinatais;
- Lutar por políticas públicas que garantam direitos reprodutivos e segurança nos cuidados dirigidos a pessoas LGBTQIA+.
Orgulho também é cuidado
Falar de orgulho em junho é, também, lembrar que pessoas LGBTQIA+ não deveriam precisar de ser fortes e resilientes o tempo todo para aceder a cuidados básicos. Toda a pessoa tem direito a gestar, parir, sofrer, cuidar e amar — sem ter de provar que merece esse direito.
Ao não produzir conhecimento suficiente e nem garantir formação adequada, a saúde reprodutiva e perinatal perpetua um ciclo de exclusão: não se estuda o que não se vê, e não se vê o que não se estuda. Avançar neste cuidado não é apenas uma questão técnica: é um posicionamento ético. Porque cuidar de quem gesta, pare, cuida ou sofre, de forma plural, é também cuidar daquilo que esperamos enquanto sociedade: vínculos fortes, saúde integral e um sentido real de pertença.
Notas:
Lacombe-Duncan, A., Andalibi, N., Roosevelt, L., & Weinstein-Levey, E. (2022). Minority stress theory applied to conception, pregnancy, and pregnancy loss: A qualitative study examining LGBTQ+ people’s experiences. PLOS ONE, 17(7), e0271945. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0271945
Marsland, S., Treyvaud, K., & Pepping, C. A. (2022). Prevalence and risk factors associated with perinatal depression in sexual minority women. Clinical Psychology & Psychotherapy, 29(2), 611–621. https://doi.org/10.1002/cpp.2653
Meyer, I. H. (2003). Prejudice, social stress, and mental health in lesbian, gay, and bisexual populations: Conceptual issues and research evidence. Psychological Bulletin, 129(5), 674–697. https://doi.org/10.1037/0033-2909.129.5.674
Silva, G. C., Puccia, M. I. R., & Barros, M. N. dos S. (2024). Homens transexuais e gestação: Uma revisão integrativa da literatura. Ciência & Saúde Coletiva, 29(4), e19612023. https://doi.org/10.1590/1413-81232024294.19612023
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