Quando um bebé nasce antes do tempo, o encontro entre pais e filho é interrompido por uma série de necessidades médicas que exigem separação, vigilância e cuidados intensivos. O internamento na Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais (UCIN ou “neo”) é uma experiência profundamente ambígua: salva vidas, mas também desafia a vivência emocional da parentalidade.

Um início interrompido
O nascimento prematuro representa uma rutura com o imaginário da chegada tranquila do bebé. Segundo o SNS24, cerca de 7,4% dos partos em Portugal são prematuros (2022) e é comum os bebés prematuros precisarem de apoio respiratório, nutricional e térmico, o que implica o internamento num ambiente especializado e altamente tecnológico (neonatologia), e uma distância física da mãe e do pai.
Essa separação precoce, aliada ao medo pela sobrevivência do bebé, pode gerar stress pós-traumático, ansiedade e depressão nos pais. Estudos mostram que o internamento prolongado na neonatologia altera o sentido de competência parental, fazendo com que muitos pais se sintam meros “visitantes” do seu próprio filho, não se sentindo capazes ou com autonomia suficiente para cuidar ou tomar decisões.
Os efeitos na saúde mental parecem prolongar-se muito além do período de internamento, existindo evidência que sintomas traumáticos ou depressivos ainda se verifiquem um ano após o nascimento do bebé.
O que a ciência nos mostra sobre o impacto emocional
Pesquisas recentes indicam que o nível de stress materno e paterno está diretamente relacionado com o estado neurocomportamental do bebé. A ansiedade dos cuidadores, quando não é reconhecida ou acompanhada, pode interferir na sintonia relacional e, consequentemente, na relação com o bebé e na forma como o bebé aprende a regular-se emocionalmente. Daí ser imprescindível que estas mães e pais recebam apoio emocional e psicológico especializado o quanto antes.
O poder reparador da presença e do toque
Intervenções baseadas na relação, como o Cuidado Canguru e programas de vinculação precoce, demonstram benefícios tanto para os bebés como para os pais. O contacto pele a pele estabiliza o ritmo cardíaco, melhora a oxigenação e diminui os níveis de cortisol, promovendo calma e confiança.
A presença consistente e sensível dos cuidadores é um fator protetor fundamental. Mesmo em contextos de alta tecnologia, olhar, tocar, falar e permanecer junto ao bebé são formas poderosas de reparação emocional.
A transição para casa: um novo desafio
O momento da alta é, muitas vezes, vivido com emoções contraditórias. Pode sentir-se entusiasmo e alegria, ao mesmo tempo que se sente alívio, medo ou insegurança. A literatura destaca que os pais precisam de apoio na transição do hospital para o domicílio, com acompanhamento psicológico, psicoeducação e espaços de partilha.
Investir na saúde mental parental é investir na saúde emocional do bebé e da família.
O internamento neonatal é uma travessia complexa, mas não é o fim da história. Cada gesto de cuidado, o toque, a voz, a presença, são mensagens que reescrevem o início. O amor, tal como o tempo, pode ser interrompido, mas também pode ser reencontrado e reconstruído.
Notas:
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Ramos, B. A., Formiga, C. K. M. R., Oliveira, N. R. G. d., Marçal, P. G. E., Ferreira, R. G., Saidah, T. K., & Amaral, W. N. d. (2024). Relationship between Maternal Stress and Neurobehavioral Indicators of Preterm Infants in the Neonatal Intensive Care Unit. Children, 11(8), 889.
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