Gravidez após perda: lidar com ambivalência, ansiedade e culpa

5 minutos, 954 palavras
The Lovable You
Autor: The Lovable You
Tempo de Leitura: 5 minutos, 954 palavras

Viver uma  gravidez após perda pode ser um lugar de grande ambivalência emocional no qual é difícil encontrar as palavras que definam o estado de alma de quem já sentiu na pele o que é perder um filho.

Gravidez após perda: lidar com ambivalência, ansiedade e culpa

Disclaimer: um sentimento único para cada mulher

Começamos por referir que a reação e a resposta à perda são absolutamente individuais e a dor não é comparável entre pessoas que perderam os seus bebés. É difícil antever o impacto de uma notícia desta natureza, embora saibamos que a perda de um bebé pode espelhar-se nas mais diversas esferas da vida.

Mais da metade das mulheres que perderam o seu bebé, voltarão a engravidar nos próximos 2 anos. Por entre estas vivências encontramos experiências comuns de:

  • mulheres que sentem um enorme vazio e, ao mesmo tempo, uma vontade, que chega a ser avassaladora, de engravidar novamente e prosseguir com o seu sonho de maternidade;
  • mulheres que sabem que querem ter mais filhos e anseiam a sua chegada, mas têm muito medo de voltar a passar por tudo novamente.

Em ambos os casos, sabemos que a gestação de um bebé arco-íris pode vir acompanhada de muita tristeza, saudade, vazio e sofrimento. Estes sentimentos podem traduzir-se no dia-a-dia como:

  • flashbacks da experiência de gravidez e de perda anteriores, como se passado e presente fossem um só e tudo ficasse muito confuso;
  • medo de conectar com o novo bebé por medo de o perder, optando, mais ou menos de forma consciente, por se proteger emocionalmente durante a nova gravidez;
  • viver “um dia de cada vez” e ter baixas expectativas em relação ao desfecho da gravidez;

Apesar disso, quer no contexto social, quer no contexto dos cuidados de saúde, os aspetos emocionais específicos destas gravidezes muitas vezes não são levados em conta, contribuindo para o acúmulo de ansiedade, medo e sensação de isolamento. 

ambivalência emocional

Quando uma mulher perde o seu bebé, frequentemente passa por um estado emocional de ambivalência, como se dentro de si houvesse um medir de forças entre a fé, a esperança, o desejo de voltar a ser mãe, a construção da sua família, e, por outro lado, o medo de voltar a perder o bebé, o duvidar dos seus próprios desejos e capacidade de levar uma nova gravidez avante, lidar a preocupação constante, a sensação de vulnerabilidade e exposição ao incerto.

A perda pode ocupar um lugar relevante na biografia pessoal de uma mulher, moldando as suas experiências de futuro, a sua perceção da vida e tirando a “inocência” de acreditar que tudo vai correr bem, como se fosse uma lembrança de que a vida e a morte estão de mãos dadas e são o chão uma da outra.

Isto não significa que não haja também felicidade. Olhar para o teste positivo continua a ser o vislumbre de um sonho muito querido. No entanto, é frequente ver essa alegria partilhada com a   imaginação de cenários dolorosos, que,  sem o devido apoio, pode tornar-se o estado dominante da gravidez:

“Todos os dias, eu acordava e pensava … Será que o meu bebé está vivo? Será que é hoje que vou receber uma má notícia? Ao mesmo tempo, pensava e sonhava com os bons momentos que iríamos passar juntos”

uma gravidez mais ansiosa?

As gravidezes após perda gestacional podem despoletar mais sentimentos de ansiedade, medo e insegurança nunca vividos até então. A preocupação acrescida em relação ao futuro da gravidez e à saúde do bebé, leva muitas mulheres a procurar um acompanhamento mais rigoroso da gravidez para ir tendo a confirmação de que tudo está a correr bem: mais consultas médicas, mais ecografias, mais estudo por iniciativa própria, até, para obter algum senso de controlo de que “estou a fazer tudo ao meu alcance”. 

“O final das consultas era um alívio para mim. Naquele momento conseguia sorrir porque sabia que estava tudo bem depois de ter visto a bebé. Alguns dias depois voltava a ficar ansiosa e com vontade de telefonar a pedir para antecipar a próxima ecografia porque a  espera entre consultas era muito difícil de gerir. Só queria poder ter a certeza de que estava mesmo tudo bem com a minha bebé.”

repensar todos os gestos e possíveis erros

É muito frequente acontecer a revisão de cada passo e cada escolha feitos na gravidez anterior. Procuramos indícios de algo que não fizemos tão bem e que agora podemos alterar para que não tornemos a perder um bebé: “Aquele” copo de vinho no almoço em família, a ida ao ginásio, o cigarro, as horas a mais a trabalhar sem descansar. Estes pensamentos têm uma função protetora importante: estão a tentar fazer-nos acreditar que que se tivermos mais controlo agora, conseguiremos evitar uma nova perda. Funcionam como uma tentativa da mente de dar sentido ao que aconteceu, ainda que tragam consigo muita culpa e ansiedade.

a culpa e a redenção

Muitas mulheres que passaram por uma perda perinatal carregam sentimentos de culpa pela perda ou questionam as suas escolhas enquanto grávidas. Quando chega um novo bebé – o bebé arco-íris – ele é muitas vezes visto como a oportunidade de restaurar a  ordem sonhada na sua família. Este bebé traz consigo uma alegria que preencherá a família e, de certo modo, trará alguma redenção ao sofrimento pela perda.

o fator tempo

O tempo durante uma gravidez arco-íris pode ser vivido em ambivalência.Por um lado, há o desejo de desfrutar e aproveitar a gravidez como uma fase bonita da vida, a “doce espera”. Por outro, convive-se com a ansiedade de chegar rapidamente ao fim da gravidez e ter um bebé vivo e saudável nos braços. 

“Queria era um botão para carregar e avançar o tempo para o levar o bebé para casa.”

NOTAS: 

Pregnancy after perinatal loss: A meta-ethnography from a women’s perspective

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